Georg WF. Hegel (1770-1831) já havia dito que o Estado nasce como uma “necessidade externa”, que “vai contra a essência interna da coisa”. Em outras palavras, ele nasce do conflito entre os interesses privados e o interesse da sociedade civil, mas não como uma solução e sim criando um novo conflito em nível mais elevado, agora entre o Estado e a sociedade civil. Karl. H. Marx (1818-1883) percebeu a importância da constatação de Hegel e tratou de expressar esses conflitos em termos efetivos. O surgimento do Estado é a confissão de que a sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria, e está dividida por antagonismos entre classes irreconciliáveis. O Estado moderno, representativo, é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. Por isso a necessidade do seu perecimento no socialismo. Vladimir I. Lenin (1870-1924) compreendeu essa característica essencial do Estado, mas não conseguiu impedir que o “socialismo real” fosse uma máquina de moer gente, com a ascensão de Stalin. No Brasil, o Estado capitalista se manifesta com uma forma própria, sua atuação é historicamente abusiva em relação à sociedade. A formação da sociedade brasileira é um complexo processo de violência, proibição da fala, “revolução pelo alto”, mais modernamente privatização do público, e incompatibilidade radical entre a dominação burguesa e democracia. Tortura, morte, exílio, cassação de direitos, roubo da fala, e anulação do dissenso representam a manifestação do nosso Estado na tentativa de anular qualquer movimento de construção política feito pelas classes oprimidas. Na década de 1990, FHC introduziu uma nova violência, utilizava-se de sua arrogância em nomear como ignorantes, atrasados e burros todos aqueles que se opunham aos seus métodos. Hoje, Lula utiliza-se de sua origem humilde e de seus passado de militância na classe trabalhadora para cooptá-los. Fato que não é novo na história: o “socialismo real”, destruidor de esperanças e razões para lutar, utilizou-se largamente desse expediente. No “Brasil de todos” do governo Lula, pelos campos há fome em grandes plantações, com o incentivo ao agronegócio, que contemporiza com o trabalho escravo. A reforma agrária sempre foi apontada como prioridade pelo presidente, mas até agora nenhuma de suas metas foi cumprida, e a tensão no campo recrudesceu. O número oficial de mortes no campo avançou de 34, no período 2001-2002, para 61, no período 2003-2004, descontado o mês de dezembro do último ano. Mais recentemente, essa violência se manifesta no assassinato covarde da missionária estadunidense-brasileira Dorothy Stang e de dois sindicalistas rurais, efetivados pelos latifundiários do Pará. O governo federal é co-responsável pelas duas mortes e a brutal repressão, que deixou também dezenas de feridos e centenas de presos, na operação militar em Goiânia, com a utilização de mais de 2.500 policiais militares para a desocupação de trabalhadores sem-teto – tratados como marginais –, num terreno antes utilizado para a especulação imobiliária. No caso dos estudantes, o debate em torno da Reforma Universitária do atual governo é anulado desqualificando os críticos do projeto como corporativistas, elitistas, privilegiados e insensíveis ao drama social. As manifestações públicas são coibidas de forma violenta. No dia 11 de novembro de 2004, em protesto na Av. Sumaré, estudantes e alguns professores da APROPUC (sindicato interno dos professores) foram esmagados pela polícia do governador Alckmin – soldados armados, quase todos perdidos, ensinados a morrer pela pátria e viver sem razão –, numa repressão absolutamente desnecessária e brutal, típica de uma mentalidade repressiva de quinto mundo, aceitada até hoje na periferia do sistema como fatalismo do capitalismo. O Estado, apesar de aparecer como “necessidade externa”, materializa a oposição entre seres humanos, o que significa que há manifestações de autoritarismo no interior da sociedade, resultado imediato da humanidade cindida entre trabalhadores e não-trabalhadores. O estranhamento do homem pelo homem se manifesta em todas as suas relações. Efetiva-se sob a forma de demissão, no dia 15 de fevereiro, de alguns professores do cursinho da Poli, que procuravam resgatar o seu caráter social; na PUC-SP, sob a forma de mensalidades abusivas, verdadeiro vestibular, que seleciona os mais “aptos” financeiramente. Esse processo de seleção social fica patente quando, no dia 14 de janeiro, a atual Reitoria coloca uma barreira de seguranças para impedir a manifestação dos cursinhos populares, que pediam a isenção de matrícula; e na ameaça, dessa mesma Reitoria, proibindo a realização de festas, afirmando que “tomará todas as providências cabíveis para garantir o uso adequado do espaço de seus campi”. A brutalidade das relações entre seres humanos estranhados se manifesta entre os próprios estudantes, quando alguns deles, em festa organizada pelo C.A. Psico em apoio a então chapa Viramundo da FEA-PUC/SP, no dia 22 de outubro de 2004, foram agredidos por uma bomba jogada por outros estudantes, numa atitude estúpida e inconseqüente. O estudante manifesta plenamente a brutalidade das relações humanas atuais quando recebe os calouros como “bixos”. Na segunda-feira, 14 de fevereiro, alguns estudantes da PUC-SP receberam seus novos colegas forçando-os a ingerir bebidas alcoólicas muito além do que gostariam e agarrando meninas a força. Na Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal (FAEF), em Garça-SP, alguns estudantes deram as “boas vindas” a um calouro, amarrando-o numa caminhonete e obrigando-o a caminhar descalço no asfalto por cerca de dois quilômetros. No entanto, no interior dessas relações miseráveis encontra-se a sua negação, o que nos permite acreditar – com a certeza na frente e a história na mão –, que as relações humanas aflorarão como razão incontornável da vida. A final de contas, somos todo iguais, braços dados ou não. Por isso, o nosso desejo de que você, calouro, que acredita nas flores vencendo o canhão, lute conosco e em conjunto com a totalidade da classe trabalhadora oprimida.
Vem, vamos embora que esperar não é saber Quem sabe faz a hora não espera acontecer
C.A. Leão XIII
1 O título desse texto é uma homenagem ao músico Geraldo Vandré, artista engajado, perseguido e censurado durante o regime militar (1964-1985).
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